30.9.11

Manifesto brasileiro



Legenda: Senhores apartir de hoje 3-9-2011 à noite. Terminal Santo Amaro não funcionará mais.

Vezes sem conta penso que o Brasil não me inspira. No início isto incomodava-me bastante. Hoje, por incrível que pareça, quase que agradeço a calmia. Sofro do claro e evidente síndrome “ a-minha-YASHICA-fica-em-casa”. As ruas parecem-me feias e as pessoas bichos estranhos. Os céus são atravessados. São Paulo não tem céu. Tem cabos eléctricos, tem parabólicas, arranha-céus de poluição. O cheiro é frito, a cor é de “suco” de morango a 3 Reais. Ainda não sou daqui ao mesmo tempo que não sei quanto tempo irei demorar. As pessoas dizem-me que eu estou a perder o sotaque. A merda! Se elas percebessem o quanto eu me esforço para lhes falar, para assassinar a minha voz… Mas isso é o menos. Porque gostam de mim. Querem-me, ouvem-me, respeitam-me, faço a diferença. Este fenómeno da ascensão é a minha calmia. Explico. É um país inteiro. No “metrô” gritam os altifalantes constantemente: “Não se coloque na frente da porta do trem. Os acentos de cor azul, são de uso preferencial. Não escute sua música alto, pode perturbar os outros passageiros. Não force a entrada. Passageiro, denuncie por mensagem caso observe comércio ilegal, seu nome será anónimo. Não deixe que as crianças se sentem nos degraus.” CONSTANTEMENTE! Constantemente, lavagem, mensagem, proibido, ensino, ensino, ensino, educação, proibição. Saio do metro; a 5 metros, o homem dorme abandonado no chão. É sujo, sujo, sujo. Saio do metro; a 20 metros, entro no cinema, aguardo na fila para pedir bilhete para ver gratuitamente um filme do Béla Tarr num festival. Não pago. E não é por trabalhar na área, pelo cinema em questão ser nosso parceiro. Não pago, porque não é para pagar. Porque é gratuito para todos. E isto não me inspira. A sede, a sede não me inspira. A fome, a fome não me inspira. O sôfrego não me inspira. Todas as noites estou cansada. Canso-me de toda a informação. Canso-me de ver tanto, de não haver espaço para me inspirar. Canso-me na minha profissão e por ser boa, caraças! Canso-me porque dão-me para as mãos coisas importantes para fazer. Porque não trabalho num part-time, não tenho que provar que sou melhor que todos os meus colegas de curso desempregados. Sou um recurso, usado e satisfeito por desempenhar a função, porque os desafios são enormes, cada vez maiores, todos os dias (“hmmm… vamos tentar este do Afeganistão?”). Sou estrangeira e vista como um bem-maior, uma solução. Não sou lixo nem 3 meses à experiência. Faço reuniões, não vivo preocupada, o trabalho satisfaz-me, completa-me. E eu que sempre duvidei que assim é que devia ser, vejam lá?... E ainda assim não vivo inspirada. Mas muito melhor que isso, vivo atenta e vejo e estou calma e estou consciente. O povo é altamente estratificado, o racismo é só ‘alto’. Os altos são todos tão diferentes. Os baixos são todos diferentes também. Mas o Brasil é livre, é desinformado, é desanuviado. Não se pensa em futuro, poluição, reciclagem, emprego, crise, preço do gasóleo, o que mais for. Não estão preocupados. Não há preocupação. A TELEVISÃO! Merda, bosta, cagalhões.  E a esquizofrenia? Pimbas, canal de TV em sinal aberto com o nome "TV CULTURA". Mil vezes melhor que aquele programa que ninguém sabe o nome da RTP2. Este Brasil em transformação. Este poder podre da economia. A Petrobrás paga. Ai, que soa tão falso. A falsidade da economia em ascensão. O Brasil não me inspira coisíssima nenhuma!




A fotografia é da Diana Carvalho, a minha amiga imaginária.
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6 comentários:

Teresa Queirós disse...

pra quem não anda inspirada, enganas bem, numa ou outra frase. E a vida corre. :)

e fazes falta neste país com sotaque pouco brasileiro. *

Sandra Carvalho Rocha disse...

como dizem os brazileiros, relaxa que se não, não encaixa.
Respira fundo. acredita em ti e acredita nesta experiência. Dá uma chance a ti mesma. Dá uma chance ao Brasil.

Annie disse...

Como um amigo meu disse e evitava este texto enorme em forma de manifesto..."estás deslocadamente colocada, não é?" E é!

cassola, a Regina disse...

a melhor condição de todas é ser estrangeiro no próprio país.
não estando a coisa limitada à linha fronteiriça (aos seus dois lados) de cada geografia.
é um estado, condição ideal. um fio de navalha lixada comó camadro.
infelizmente a tua Yashica fica em casa.

nuno, o gaúcho disse...

e VIVA a primeira tentativa do cassola fazer chimarrão!

Annie disse...

Ai que eu vou chegar a casa e encher-te de beijos!
Aposto que sujaste a cozinha toda com aquela coisa verde...
(btw, vou considerar a tua frase "infelizmente a tua Yashica fica em casa." como um grande elogio que refusas dar-me)